Já passaram dois anos desde que partiste. Pouco mudou. Fico feliz por ver que a tua filha está saudável e que está feliz, apesar de tudo.
Uma vez perguntei-te, “Porquê”, e tu apenas respondeste, “Porque sabe bem”. Eu nunca pensei que me fosses dar uma resposta dessas, pensei que ias dizer que tinhas feito as escolhas erradas, que viste na heroína uma forma de escape, nunca pensei que fosse apenas por “saber bem”. “Uma vez, fui até um campo abandonado, num dia de verão, o sol estava no sítio certo, não estava muito calor, mas ainda estava agradável. Então consumi uma dose. Por momentos pensei que o mundo era só meu, que deus tinha criado aquele pequeno jardim do Éden só para mim, e a heroína era a minha maçã. Eu também trinquei essa maçã por causa duma mulher. Mas agora eu estou livre, e ela ainda anda agarrada”.
Infelizmente, essa maça deixou marcas. Pior que o vicio, foi o pressagio de morte que veio com ele. Uma doença que não mata, mas também não deixa viver. Tu pediste-me para nunca repetir o seu nome, e assim o farei. Quando vi o teu corpo, pensei que aquela não podia ser a pessoa que eu conheci em tempos. Tu eras bem-disposto, jovial, sorridente, mas ali estavas cinzento, frio, sozinho. Aprendi contigo que não devo ter vergonha pelo que sou, tal como tu não a tiveste, mas que não devo fazer dos meus erros, glorias, devo aprender com eles e querer ser melhor. E é também por ti – não só por mim – que eu quero ser melhor. Quero ter uma vida que me satisfaça tanto como a tua. Eu não estava à espera que partisses, nem mesmo quando te visitei no hospital. Se tu ainda tivesses a tua voz, certamente me dirias o que repetiste várias vezes durante a minha infância, “estás com essa cara porquê? Amanha já está sol outra vez”.
Para ti e por ti.