quinta-feira, 10 de março de 2011

escrita crua: das sementeiras

Andavam pela casa amando-se no chão e contra as paredes. Respiravam exaustos como se tivessem nascido da terra, de dentro das sementeiras. Beijavam-se magoados, até se magoarem mais. Um no outro eram prisioneiros um do outro, e livres libertavam-se para a vida e para o amor. Vivendo a própria morte voltavam a andar pela casa amando-se no chão e contra as paredes. Então era a música, como se cada corpo atravessasse o outro corpo e recebesse dele nova presença, agora serena e mais pobre mas avidamente rica nessa pobreza. A nudez corria-lhes pelas mãos, onde tudo é branco e firme. Aquele fogo de carne era a carne do amor, era o fogo do amor, o fogo de arder amando-se por toda a casa, contra as paredes, no chão. Se mais não pressentissem bastaria aquela linguagem de falar tocando-se, como dormem as aves. E os olhos gastos por amor de olhar, por olhar o amor. E no chão contras as paredes se amaram e pela casa andavam como se dentro das sementeiras respirassem. Prisioneiros libertados, um no outro eram livres e para a vida e para o amor se beijaram magoando-se mais, até ficarem magoados. E uma presença rica, agora nova e mais serena, avidamente recebeu a música que atravessou de um corpo a outro corpo chegando às mãos onde toda a nudez é branca e firme. Como uma carne de fogo, incarnando o amor, incarnando o fogo, contra o chão das paredes se amaram, pressentindo que andando pela casa, bastaria tocarem-se para ficarem a dormir, como acordam as aves.

sábado, 5 de março de 2011

ponto #1: como reduzir o existencialismo a conversa de café

explica-me o para sempre, que para sempre, o para sempre.

eu só posso dizer que sonhei com um amor que nunca ia acabar, e que deus me iria perdoar.
mas o tempo chegou por fim, com as vozes fortes como trovões, que destruíram os meus sonhos - partiram-nos em pedaços.
Ele chegou e encheu os meus dias com verão e esperança, ele levou a minha infância na sua garganta. O para sempre é o verão, e a esperança. E eu espero que ele volte para mim, e viveremos os anos que passaram - mas há sonhos que não podem assim ser. Esperei que o para sempre fosse o que devia ser. A vida acordou-me.