quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

temo pela vida do meu semelhante

Eu não me importo se as tuas mãos estiverem frias, pelo menos ainda estou vivo, mesmo não tendo para onde ir. Mas por favor, não me deixes. Não me deixes aqui com este remédio. Mesmo à noite, não me deixes dormir sozinho, pois quando durmo é quando estou ainda mais só. E é ai que preciso que tomes conta de mim. Eu sei que também choras quando eu vou embora, mas peço-te que nunca mo digas, não conseguiria aguentá-lo sozinho. Tu és o único pilar que aguenta esta casa de lunáticos.
Vejo as luzes através do ecrã a criarem sombras, onde sinto os estofos a roubarem-me o corpo, todo o meu ser foge por um buraco no chão, feito pelo teu anel. Ouço as canções de embalar vindas das máquinas de escrever, que contam verdades que ninguém quer ouvir. Dizem que vais partir. Não me deixes sozinho com o meu irmão que tenho medo de o matar. Os ciúmes podem apoderar-se de mim e eu não quero mais sangue nas minhas mãos.
Estou com mais medo do que nunca.

Não me deixes. Não me deixes aqui com este remédio.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Lírios

Os contos que me contaste, não sei onde os guardaste.

Na relva fresca, fruto da terra húmida, uma rosa colheste. Adornaste o meu cabelo com ela, e um botão da minha camisa de tresmalhou. Tombei. O vento continuava adejando a copa das árvores, que se enchiam de flor. O rio continuava regando os lírios brancos, que na sua margem se alimentavam. Vénus lá se prostrava, rodeado de ninfas se enfeitando, e cantando aos amores. Soltei um grito que em mim desconhecia, e tornei-me senhora do meu corpo. Encheste-me de perfumes e óleos primaveris, essências fecundas da mãe do amor. Lavei-me no rio dos lírios brancos, qual deusa ajudada pelas ninfas, sendo mirada pelo seu Marte. Querubins e Serafins te limpavam o rosto, suado da refrega.

Os contos que me contaste, não sei onde os deixaste. Eu trago-os em mim, porque em mim os semeaste.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

o nascimento de narciso

eu escolho a metamorfose do ser, o rompimento, movimento,
o cair desbravado e levantar do chão.
eu escolho o grito, a luz, o mito do nascimento
para não cair nas tretas do sono.
eu escolho a memória para evitar o esquecimento.