domingo, 16 de janeiro de 2011

os canais da nossa rua

Da televisão ouvem-se sons de interferência, como um zumbido azul das formigas que comem o ecrã. É estranho ter saudades de algo que não existe?

Este é um dia mau. Nada faz sentido. E não sei porquê tenho saudades de chorar no teu regaço enquanto me dizes que tudo vai correr bem. Sinto falta das memórias que nunca tive. Da minha versão das coisas. Dos dias solarengos de Inverno.

Era por tua causa que eu dizia coisas sem sentido. Nós éramos os amantes perfeitos, com um casamento na igreja de deserto, num domingo branco em Agosto. O meu sorriso de Agosto, o meu sorriso de domingo. Como tenho andado perdido sem ti. Lembro-me das nossas tardes de Fevereiro passadas nas ruas molhadas e a correr para comboios. Das nossas noites de Janeiro à espera do outro, ou em Março, a sonhar ao sol no teu quintal. Mas perfeitas eram as manhãs de Dezembro com os cigarros na cama e o teu café envenenado. Em Abril, partiste com as águas. Partiste em mil pedaços de água.

Tenho saudades do teu abraço, mas não me lembro dele. Não podemos ter falta daquilo onde nunca estivemos. Eu sempre disse que para mim eras um lugar, não uma pessoa. Casa é onde estou contigo. (e isto tudo fazia mais sentido se estivesses aqui)

Tenho saudades tuas. Mas a televisão diz que não devo. Tu pertences àqueles que estão sozinhos, partidos e magoados, pisaduras e cicatrizes que te vão mostrar quem és.


Da televisão ainda se ouvem os sons de interferência, como um zumbido negro das formigas que dançam no ecrã. É estranho ter saudades de algo que nunca existiu?

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